quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Refletindo sobre efetividade no Bem

Abaixo, com grifos meus, compartilho opinião extraída do livro "O BANQUEIRO DOS POBRES", autobiografia dasboas de Muhhamad Yunus, 68 anos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2006, o qual foi dividido com o Grameen Bank, instituição que ele criou e já tirou mais de 15 milhões de pessoas da pobreza em Bangladesh (com mais de 135 milhões habitantes) e em outros países, dando-lhes direito ao microcrédito (SEM GARANTIA e com apenas 2% de inadimplência) para investir em seus próprios talentos, para aquisição de moradias, para mais de 60 mil estudantes universitários pobres etc.

"O feito do (Banco) Grameen ao conseguir dispensar o dinheiro dos doadores (Banco Mundial) me leva a considerar a questão da caridade.
Quando circulamos de carro por Daca (Capital de Bangladesh) somos atacados de todos os lados por mendigos profissionais. Nossa primeira reação é dar-lhes uma esmola. Por que não? Por alguns tostões, podemos aplacar nossa consciência. Quando somos abordados por um leproso com os dedos e as mãos devorados pela doença, ficamos tão chocados que imediatamente levamos a mão ao bolso e entregamos ao infeliz uma nota que para nós não é nada, mas representa uma fortuna para quem a recebe. Isso é útil? Não e na maioria das vezes é até danoso.
Aquele que dá fica com a impressão de ter feito alguma coisa. Mas não fez absolutamente nada.
Dar dinheiro dispensa-nos tranquilamente de encararmos o verdadeiro problema. Oferecendo uma soma irrisória ficamos com a consciência limpa. Mas, na verdade, limitamo-nos a nos livrar provisoriamente do problema. Mas por quanto tempo?
A caridade não é uma solução, nem a longo nem a curto prazo. O mendigo passará para o carro seguinte e recomeçará. E acabará por voltar a ver seu "benfeitor", de quem agora precisa para viver. Se queremos sinceramente resolver o problema, precisamos nos envolver e dar início a um processo. Se o doador abrisse a porta do carro para perguntar ao mendigo qual é o seu problema, como se chama que idade tem, se solicitou assistência médica, qual é a sua formação, então poderia talvez prestar-lhe um serviço. Mas entregar-lhe uma nota é implicitamente convidá-lo a sumir de vista para nos deixar em paz.
Não questiono o dever moral da ajuda nem o impulso que nos leva a ajudar os necessitados; condeno apenas a forma de que se reveste essa ajuda.
Do ponto de vista do beneficiário, a caridade pode ter efeitos desastrosos. Em muitos casos, ela desmotiva o mendigo a sair de sua situação. Quanto ao doente, ele nem sequer tenta se tratar, pois a cura significaria a perda dessa fonte de dinheiro. Há até mesmo casos, alardeados pela imprensa, de bandos de mendigos que punham recém-nascidos em potes para eles crescerem deformados; assim os mendigos profissionais poderiam transformá-los em instrumento destinado a amolecer o coração dos passantes.
Em todos os casos, a mendicância priva o homem de sua dignidade. Dispensando-o de prover as suas necessidades, ela o incita à passividade. Não é suficiente ficar sentado e estender a mão para ganhar a vida?
Quando vejo uma criança mendigando, resisto ao impulso natural de dar. Preciso admitir que às vezes me acontece de dar a esmola, sobretudo quando a miséria humana é tão terrível - um doente, uma mãe cujo filho está à beira da morte - que não posso evitar levar a mão ao bolso e dar alguma coisa. Mas sempre que é possível reprimo esse impulso."
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Já não pergunto mais aos religiosos (e àqueles que temos uma condição de ajudar) "O QUE você está fazendo ou QUAL a sua contribuição no mundo para minorar a pobreza e/ou o sofrimento alheio?".
Sinto que as perguntas precisam mudar para:
"COMO estamos dando nossa contribuição no mundo...?"
"O que é CARIDADE mesmo?"
"O que queremos de verdade (e de quem) quando fazemos um gesto de caridade?"
"Estamos efetivamente ajudando mesmo? Ou basta-nos "fazer a nossa parte"? E que parte é esta?"

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Janio,
Belo texto. Difícil resistir a dar esmolas, em especial quando se trata de pessoas idosas e notadamente deficientes.
CONCORDO que a esmola, na maioria dos casos, incentiva o ócio. Mas, seguindo uma espécie de "intuição" a gente acaba por "selecionar" os que realmente necessitam dela. O correto, porém, está descrito no texto. O ato de dar esmola deveria transformar-se num processo real de ajuda.
Muita Paz.
C Zedi

Blog Blogspot disse...

Caro CZedi,

Continue seguindo a intuição. Isto é que dá sentido a nossa vida.
Na verdade, a opinião do Yunus, mais do que criticar a esmola/caridade, é uma chamada de atenção para fazermos algo a mais e que seja libertador para os que estão hoje pedindo, mas que têm potencial para construir com dignidade seus destinos.
Paz e Bem!
Janio