quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Em tormentas e tempestades: "Papai está ao leme!"

Em 1925, o filósofo, educador e teólogo catarinense HUBERTO ROHDEN (1893 – 1981) havia obtido autorização de seus superiores eclesiásticos, para estudar seu 2º ano de noviciado, formando-se em Filosofia, na austríaca Universidade de Innsbruck. A longa e monótona travessia durou 3 semanas, do Rio de Janeiro a Bremen, a bordo do vapor Weser. Após fazer escalas em Tenerife nas Ilhas Canárias, Lisboa e Porto, Rohden narra como a monotonia foi quebrada:
“...No dia seguinte, madrugada da Páscoa, fomos colhidos no golfo de Biscaia, por uma tempestade que zomba de toda descrição e que, por um triz, no entender dos passageiros, teria dado conosco nas profundezas do mar. Logo ao clarear do dia, percebemos que as 16.000 toneladas do nosso Weser corcoveavam doidamente sobre as movediças montanhas d´água, ou desciam, gorgolejantes, a enormes vales líquidos, ora empinando a quilha às nuvens, ora erguendo hélices e leme fora d´água e sacudindo ruidosamente aquele monstro de ferro, feito ridícula casquinha de noz, à mercê dos elementos em fúria. Os uivos sinistros da procela, o fero bramido das vagas brancas, o agudo sibilar da ventania através de mastros e cordames, os roncos cavos das chaminés, o soturno ranger das máquinas do porão com pressão máxima – tudo isto convertia num inferno macabro a nossa ilha flutuante.
Como são frágeis, em face das potências da Natureza, as mais possantes obras da técnica humana!

Desde pequeno, sempre gostei de tempestades, de chuvas torrenciais, de relâmpagos e trovões...Algo de grandioso despertava dentro de mim, no meio das grandiosidades da Natureza...Que estranha afinidade haveria entre o microcosmo do meu Eu humano e o macrocosmo desse estupendo Universo?... “Gefaehrlich leben” (Viver perigosamente), disse Nietzsche, é a mais fascinante essência da vida humana, o inebriante elixir duma existência intensamente vivida...
Para melhor apreciar o grandioso espetáculo, subi à ponte de comando – mas logo fui apanhado por uma catadupa salgada, que me arrojou ao interior da casinha do piloto, defendida por maciças paredes de vidro.

No meio da quase total deserção dos passageiros, que se refugiavam às cabines, encontrei no convés um garotinho de 5 a 6 anos, a contemplar tranquilamente a tormenta desfeita e trauteando, à meia voz, um liedchen (canção); de vez em quando, dirigia pilhérias ao mar, como se se tratasse de um gatinho travesso. Perguntei-lhe se não tinha medo dessa imensa barulhada.

- Nein - respondeu o menino em tom marcial - Papa ist am Steuer (Não. Papai está ao leme).

Era o filho do primeiro piloto.
Pareceu-me que essa criança, calma e tranqüila, em meio da procela, fosse
a personificação da fé e da confiança do homem que, por entre as tempestades da vida, confia integralmente na Providência de Deus. Para esse cachopinho, o pai era onipotente; ao lado do pai sentia-se ele perfeitamente seguro; podia até cantar despreocupado e desafiar os elementos adversos. “Papai está ao leme” era para esse menino a mais completa profissão de fé num poder invencível...”

Esta narrativa dasboas de Rohden, sobre fé e confiança na Providência Universal está contida no Volume I de suas memórias autobiográficas ”POR UM IDEALo que por ele vivi e sofri em meio século” (Ed. Martin Claret - 1993 - 249p). Sinto que, por causa de exemplos como o do garotinho, é que Jesus disse: “Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus”.

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